Abraços indesejáveis entre sorrisos desejáveis

14:45


Illustration: Nudegrafia


Quarta-feira, o dia era de muito calor. Dei uma saída ao super pra comprar meu vinho e coisas que faltavam no armário. Recebi uma mensagem de texto.
- Quer me ver hoje?
Pensei por instantes. Já trocávamos uma ideia há alguns dias. Nada demais. Andava estressada com as coisas da vida. Resolvi topar.
Marquei com ele em um bar que eu costumava ir sempre que sentia falta de casa. Me remetia boas lembranças.
Para frisar, este era nosso primeiro encontro. Quando cheguei o Marcos já estava lá. Esperando com uma cerveja na mesa. Dei uma bela analisada antes de me aproximar. Pessoalmente ele era um tipo normal, mas bem bonito. Duas coisas me chamaram a atenção: olhos e cabelos. Ele observava compenetrado um cartaz da cartunista austríaca Ulli Lust, “Today Is the Last Day of the Rest of Your Life”. Me pareceu tão enigmático seu interesse naquilo e ao mesmo tempo um pouco assustador. Aquele tinha sido um ano que esse emblema me perseguira por todos os lados. Parecia um aviso de que eu deveria mudar minhas atitudes e os círculos nos quais me enquadrava. Viajei por alguns segundos, quando ele me viu e me chamou.
- Carolina? O Marcos aqui – ele sorriu, e o sorriso era lindo também. Sorri de volta.
Nos cumprimentamos e sentei ao seu lado.
- Para começar, você pode me chamar de Carol, Marcos. Já faz um tempo que conversamos, né? Não precisamos dessa formalidade – Sorri e ele devolveu o sorriso. - Droga! Esse sorriso ia ser um problema – pensei já imaginando que aquele cara devia ser a razão de vários corações partidos.
Deixei a neura de lado e papeamos por horas. Tantas horas que o carinha do bar nos avisou que eles já fechariam em alguns minutos. Eu não queria que aquela conversa acabasse. Meu desejo de beijá-lo também já estava me corroendo. Fomos pagar a conta e ele disse que me acompanharia até em casa. Vibrei.
Caminhamos por três quadras até minha casa. Passamos pelo hall de entrada e ensaiei minha despedida quando ele me interrompeu.
- Eu ia sugerir que você me oferecesse um café e daí podíamos continuar a conversa. Não tenho vontade de ir embora. To envolvido demais nas tuas colocações e vou ficar um pouco frustrado se a gente não terminar essa conversa.
Gargalhei com o entusiasmo dele, mas daí eu que estava começando a ficar frustrada com a ideia de que ele não tinha me roubado nenhum beijo. Me abraçava, cheirava meu pescoço, brincava com meu cabelo. Aquilo estava me deixando louca de desejo por ele. Aí matei a charada. Ele queria me deixar com vontade até que fosse uma iniciativa minha. Apenas entrei no jogo.
- Vamos subir, então.
Preparei o café enquanto o Marcos vasculhava entre meus livros. Intrigado, ele se dizia. Disse que a forma enigmática com a qual eu via as coisas e minhas preferências que iam desde um mau gosto peculiar até coisas interessantíssimas e de muito bom gosto estavam o chocando um pouco.
- Hahahahahahaha. Como assim? Você tá me zoando, né? Vai dar uma balançada na amizade.
Ele veio até mim e me beijou. Eu o afastei, pensei no beijo. Era muito bom. Bom demais pra falar a verdade. Devolvi o beijo com uma ferocidade que ele havia despertado em meu corpo. Entrelacei minhas pernas em sua cintura, e o beijo ficou cada vez mais abrasador. Eu sentia seu membro pulsante e aquilo me provocara um prazer inenarrável. Enquanto aquele beijo tomava conta da minha sanidade e do meu corpo, me ocorreu um insigth de palavras.
Deleite, aprazível, tesão, ternura, libido, afeto, calidez, faminta… Nada disso fazia sentido. Voltei a si, sem saber onde me encontrava. Aquelas mãos em meu corpo já não faziam sentido, porém em um completo sentido. O que estava acontecendo e porque estar com aquela pessoa me provocava tanta intensidade? Parei o ato.
- Podemos não ir adiante, Marcos?
Com olhos assustados ele me fitou – Fiz algo errado? Tá tudo bem?
- Não sei dizer – respondi tremendo – Vamos fazer o seguinte. Acho que a bebida pode ter me alterado um pouco. Minha sugestão é que você passe a noite. Podemos conversar e dormir.
- Claro, mas tem algo que eu possa fazer para te deixar mais tranquila?
- Não, porque nem eu to me entendendo muito bem.
Fomos para cama e depois de alguns minutos de conversa nos desejamos boa noite e me virei. Ele entrelaçou seus braços em meu corpo em um abraço que me fez recordar a sensação boa de ter alguém que eu curtisse por perto. Aquilo me incomodou. Virei para ele e tirei seus braços, dando um beijo em sua testa.
- Não vamos estragar isso, ok? - Disse um pouco séria.
- Não entendi, Carol.
- A intimidade estraga as coisas. Coisa minha. - Apenas lancei um sorriso e pareceu fazer total sentido para ele.
Entre os meus devaneios e as entrelinhas dos meus versos não ditos, dormimos.
No amanhecer e aos primeiros raios que refletiam naquele lindo rosto, peguei a câmera e transformei aquela lembrança em múltiplas semânticas. Me inspirei naquele silêncio e meu desejo ganhou força. O acordei com um toque sensível em seu membro, que em segundos estava rijo.
Nos beijamos, e agora eu ficava de costas para ele para sentí-lo com a minha bunda. Ficamos assim durante vários minutos. Eu gozei e ele também sem ao menos haver penetração. Era um momento lúdico e repassamos com sorrisos as memórias do que havia acabado de acontecer.

Sim... aqueles cabelos, aquele olhar e aquele sorriso provavelmente iam ser um problema para mim. E suas palavras cheias de métricas impecáveis, alimentavam o meu desejo animalesco. Mas agora já era tarde. Provavelmente eu ia ser mais uma a cair nessa doce ilusão, mas com a felicidade em meu peito de sentir aquele sabor interminável de tesão.

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