Carmelina
18:29
Carmelina não suportava mais tal
situação...
Aposentada, do alto de seus 55 anos, aquela
senhora idônea considerava, com a mais absoluta razão moral e cristã, um
completo disparate ter de conviver com gritos e gemidos dentro de sua própria
casa, quase todos os dias.
Carmelina não merecia passar por isso,
ela tinha uma rotina regrada e íntegra. Desde que se divorciara, há mais de
seis maravilhosos anos, ia todas as manhãs, bem cedinho, à padaria comprar o pão
fresco, uma obrigação que acreditava ser sacra. E todos os dias tinha de se
queixar com o padeiro. Não que ela desejasse ser inoportuna, porque até poderia
peregrinar por mais duas ou três quadras e ir à outra padaria que lhe agradasse
com o apreço devido, mas supunha que aquele era seu dever como cidadã! Ora essa...
O pão que o padeiro jurava ser fresco, era na verdade amanhecido, anoitecido,
padecido e duro como pedra. Para piorar, os outros fregueses ainda tinham a
cara de pau de reclamar do tempo que Carmelina empacava a fila, protestando. Ao
invés de ficarem satisfeitos pelo serviço de utilidade pública que só ela tinha
coragem suficiente para prestar? Não. Aqueles palermas mal-agradecidos mereciam
tudo de ruim que lhes acontecesse, inclusive o pão amanhecido, anoitecido,
padecido e duro do padeiro.
Depois Carmelina andejava à igreja
matriz, onde participava do grupo de orações, até o sino badalar apontando a
hora do almoço. As mulheres do grupo eram todas hipócritas, disso Carmelina
sabia. Não seguiam as regras. Participavam de bailes aos finais de semana, uma
pouca vergonha! Uma delas até dava em cima do pároco, diziam. Carmelina não
desistia de ir ao grupo porque sabia que era o pilar modelo - o único - que
mantinha a congregação viva, e assim deveria ser.
Ela almoçava no restaurante de uma
amiga. Amiga não, conhecida. Carmelina não poderia ser amiga de uma mulher que
comandava um restaurante, particularmente de uma oferecida igual à Soninha Lins,
que vestia saias curtas e ficava de papo furado com toda sorte de homens
casados no balcão de seu estabelecimento. Carmelina apenas observava, mas ela
também fazia uma parada estratégica no balcão, antes de ir para casa. Não que se
desse às fofocas, é claro, no entanto Soninha sabia da vida alheia de todo
cidadão e cidadã do bairro e Carmelina precisava se informar, tinha que estar atenta
a cerca de tanta gente pervertida naquele mundo de seu Deus. E avisar aos
desavisados, obviamente, era como sua missão na terra.
O problema estava na volta, em casa.
Às segundas, terças e quartas à tarde
aconteciam os horrores. Suas vizinhas.
Cada dia na casa de uma...
E
hoje, é quarta, avaliou Carmelina, preocupada.
Ela havia cruzado mais cedo naquela
manhã por Laurinda, a vizinha do andar superior imediatamente acima do seu.
Laurinda se dava a luxos, tinha 57 anos, morena e alta, era daquelas mulheres
voluptuosas com maquiagem na cara, seios fartos e pernas torneadas sobre saltos
muito altos, quase sempre vermelhos, e roupas insuficientes. Ela havia colocado
próteses de silicone há alguns meses, e o fizera sem o menor pudor, um
verdadeiro escândalo!
Naquele dia, Carmelina até tentara uma
conversa amigável com a morena enxuta, a cerca dos sons medonhos que ela sabia
iria ouvir mais tarde vindos do apartamento da vizinha. Puxara assunto,
convidando-a a associar-se ao grupo de orações, e dizendo que seu tempo seria mais
bem gasto daquela forma do que com... bem, ela não ousaria dizer o que Laurinda
fazia nas tardes de quarta, não em voz alta.
Laurinda se transformou em um “Pit bull
de saias”, quando Carmelina insinuou que ela acabaria queimada, literalmente,
se não deixasse o tal exercício profano de lado, e saiu esbravejando qualquer
coisa sobre a vizinha ser uma carola mal amada e intrometida. Carmelina, no
entanto, não se exaltou. Ela dissera a verdade, e Laurinda, como a maioria das
pessoas, não suportava a verdade. Carmelina rezaria por Laurinda e tomaria
alguma atitude em conversa com o síndico, a fim de proteger a honra do
condomínio. Ademais, sabia que o castigo, cedo ou tarde, viria feito uma
avalanche para o apartamento pecaminoso do andar de cima.
Carmelina sentiu um arrepio forte percorrer
sua espinha, quando lembrou que Laurinda não era a única alma perdida a habitar
o seu precioso prédio... Havia outras duas mulheres, donas das segundas e terças-feiras
mais barulhentas que ela já ouvira, vizinhas de porta e, era preciso admitir, notadamente
mais dóceis do que Laurinda. Carmelina suspeitava de que as três faziam aquilo com o mesmo visitante clandestino, cuja identidade ela nunca
tivera o desprazer de conhecer. Era como se existisse uma seita herege secreta
acontecendo bem debaixo de seu beato narizinho de ponta fina.
Dito e feito. Mal Carmelina colocara
os pés em casa, e a safadeza começou em cima. Ela podia até apostar que
Laurinda estava gemendo ainda mais alto àquela tarde, apenas por desforro pela
zanga que ocorrera entre as duas mais cedo. Gemidos. Urros. Grunhidos. E o
homem que estava com ela não poderia ser nada mais, nada menos que um animal
selvagem. Carmelina seguiu o avanço dos gritos de seu apartamento, cuja planta
era idêntica ao de Laurinda. Começou na sala, depois foi para o quarto.
Quase vinte minutos de ganidos ininterruptos
daquela cadela da Laurinda depois, ouviram-se passos pesados - de homem -
avançando em direção à cozinha. Cozinha?
Os passinhos animados de Laurinda logo voaram em seu rastro e a indecência se
deu lá mesmo, no local imaculado onde se devem fazer apenas as refeições.
Bem,
não se pode dizer que ele não está comendo... – pensou
Carmelina, permitindo que um pensamento sacana e fujão percorresse sua mente.
Ela o afastou com um sacolejar de cabeça.
GEMIDOS, GEMIDOS - ARFAM, SUSPIRAM. -
GEMIDOS, GEMIDOS - ARFAM, SUSPIRAM.
Carmelina tentara se queixar ao
síndico, mas nada. O idiota afirmava que não podia proibir visitas aos
moradores do condomínio. Naquela quarta-feira, porém, Camelina decidiu que
daria o seu próprio jeito.
Enquanto perfazia uma sessão de estampidos
no forro com o cabo maciço de sua vassoura bendita há mais de meia-hora sem
parar, na esperança de perturbar o casal acima, os gemidos do inferno, de
repente, cessaram.
Passos no andar de cima e uma porta
batendo. Silêncio.
Carmelina conseguira! Comemorou a
vitória em segredo, dançando com sua vassoura, até que... alguém tocou a
campainha.
Ela observou pela fresta inferior,
dois pés largos estaqueados do lado de fora de sua porta. Carmelina hesitou.
Será que desta vez passara dos limites? Não! Aquela vizinha indecente ia ouvir
umas verdades. Investiu furiosa em direção à porta. Laurinda ia ouvir poucas e
boas...
A boca de Carmelina ainda estava
escancarada quando puxou a maçaneta com fúria e pousou seus olhos tensos sobre
ele. Tornou a selar os lábios, silenciosa.
O Rapaz era um garoto, para os padrões
inquietantes de Carmelina, devia ter entre vinte e cinco e vinte e sete anos,
no máximo. A cara amarrada dele não a assustou, mas ela se viu deveras
assombrada quando ele cruzou o batente da porta feito um raio e invadiu a sua
casa sem pedir permissão.
Carmelina já estava preparada mesmo...
então xingou Laurinda, insultou o rapaz e tratou de deixar claro que chamaria a
polícia. Ele pareceu não se importar. Estupefata pela falta de reação,
Carmelina passou a observá-lo. Primeiro porque sabia que os investigadores da
polícia iriam querer o retrato falado, e segundo... porque ele chamava sua
atenção de uma forma misteriosa.
Os cabelos negros desgrenhados e a
camiseta amarrotada e mal vestida, desvendando o último par de gomos de seu
abdômen trincado, denunciavam que ele saíra da cama de Laurinda às pressas. A
pele parda cintilava no pescoço e nos braços, ainda suada. Carmelina examinou
os bíceps que escapam das mangas curtas; quando aquela musculatura braçal se
contraiu, ela levou um susto e fez o sinal da cruz.
Ele soltou uma risada contida e então
Carmelina tratou de encará-lo com um ar feroz, bem em seus olhos cor de mel.
Por algum motivo, o nariz, largo na base e sutilmente fino no cume, a desconcertava.
Fixou o olhar então no nariz. Mas logo a boca do rapaz, não muito grande e não
muito pequena, emoldurada por lábios finos e rosados que sustentavam uma
dentição perfeita e ebórea, tornou-se seu objeto de adoração. A expressão
indócil ainda estava ali em sua face, a um só tempo rude e perfeita, mas agora
o rapaz sorria como sorriem aqueles garotos indisciplinados.
Carmelina se viu atraída por ele, um
instinto primitivo que ela não experimentava há muito tempo.
- Quem é você? Qual é o seu nome? O
que quer? – começou ela, buscando desesperadamente uma forma de quebrar a
tensão sexual que fazia seus ouvidos zumbirem e sua visão pipocar em pontos
negros.
Vou
desmaiar!, presumiu em pânico.
Sem dizer nada, de porta aberta e tudo,
na sala do apartamento casto, ele deu dois passos longos e a beijou. Aqueles
lábios renderam Carmelina no instante em que tocaram seu rosto. Um beijo
profundo, de língua extensa e fogosa. As mãos dele envolveram suas nádegas sob
o vestido de tecido fino feito duas garras, e ergueram seu corpo. Por pura
intuição, Carmelina cercou a cintura dele com as coxas. O rapaz conhecia a
planta do apartamento e foi direto para o quarto, onde a depositou na cama.
Carmelina mal respirava, atônita pelo desejo e o medo do que viria a seguir.
Ela não estava preparada para ser despida, observada, tocada. Como não era mais
casada, não se preocupava em manter o corpo atraente para um homem. Mas se
depilava com regularidade, lembrou-se aliviada, para logo em seguida praguejar
contra si mesma pelo simples fato de estar querendo, mais do que quis qualquer
outra coisa em sua vida, que aquele rapaz fosse adiante.
Ele a fitava o tempo inteiro. A face
cafajeste cada vez mais evidente. Carmelina permitiu que o vestido se fosse, a
blusa, o sutiã e, por fim, a calcinha. Ela fechou as pernas, constrangida. No
entanto ele a impediu, uma afluência mental, íntima, se formou entre os dois,
assegurando que ele a queria exatamente daquele jeito, com celulite, rugas, e o
que mais fosse. Em dois tempos ele também estava nu. O rapaz agarrou a mão dela
e fez com que segurasse seu membro rijo. Era grosso e pulsava. E, desta
maneira, a observou.
Carmelina não sabia como proceder a
seguir, exceto que passou a movimentar a mão para frente e para trás, o que
pareceu alegrá-lo. Ainda assim, o rapaz não se mexeu.
Carmelina ficou sem compreender.
Deixou-se invadir pelo tesão indômito e, bruscamente, soube o que precisava
fazer. Ela o puxou pelas pernas fortes e carnudas para cima de seu corpo. Era
isso o que ele esperava: um sinal.
Aos olhos de Carmelina, o rapaz era
agora homem, e a beijou com tanto desejo que ela pensou que fosse explodir. As
mãos dele percorriam seu corpo, apalpavam os seios com docilidade e os guiavam
até os lábios, onde os mamilos contentavam sua língua. Ele desceu, beijando
cada centímetro de pele que separava a boca de Carmelina de sua virilha, e os
percorreu tal qual um felino ávido e certo de sua presa.
Enquanto a cabeça dele oscilava entre
as coxas dela, Carmelina gemeu. Gemeu tão alto, arfou e suspirou, que teve certeza
de que o prédio inteiro a ouvia naquele exato instante. E ela queria que
ouvissem. Queria que todos soubessem do intenso prazer que tomava suas entranhas,
fazia seu corpo vibrar e seu cérebro ferver.
- Qual é... aaah... qual é seu nome? –
ela mal conseguiu unir letras e formular palavras. – Preci... aaah... preciso
saber.
Sem cerimônias, ele vestiu um
preservativo e a penetrou, suavemente no início.
- Jonas – respondeu, e sua voz grave e
despreocupada a deixou ainda mais inebriada.
- Mete, Jonas, mete com vontade! –
pediu Carmelina, se retorcendo. Uma vozinha dentro dela ainda suplicava,
jurando que aquilo tudo era errado, mas outras centenas de vozes, representantes
de todas as partes de seu corpo, urravam precisamente o contrário, com força
titânica. – Faz o que quiser comigo!
Jonas obedeceu e meteu com maestria,
beijando-a na boca o tempo inteiro. Depois a girou como um pião, colocando-a de
quatro. Arredio, trepou com força. Carmelina decididamente gemia tão alto
quanto suas vizinhas. Provavelmente mais. Jonas suspirava e resmungava
baixarias ao pé do ouvido dela, curvando o corpo sobre suas costas suadas e
trêmulas.
Carmelina notou os próprios seios,
grandes e ainda bonitos, embalados no ritmo da foda de Jonas. Ele ficou ereto,
segurou-a pela cintura com a virilidade de um garanhão e então urrou. E gozou.
Carmelina sentiu o próprio corpo mudar, como se ondulasse por dentro, e ela
também gozou.
Jonas caiu ao seu lado na cama,
arquejando e sorrindo. Correu os dedos pelo cabelo negro e rebelde e a olhou
com tanta doçura que ela quase gozou outra vez. Carmelina tocou-lhe o rosto,
provando o toque áspero da barba rala e bem aparada, e o beijou. Jonas
retribuiu. O vento fresco cruzou a janela do quarto e velejou sobre a pele orvalhada
da mulher, lhe causando calafrios e prolongando o febril prazer; ela se
contorceu, seu corpo ainda buscando gerir a nova realidade de sensações, e por
um momento sentiu que sua alma existia apenas em uma floresta tropical distante
e longe das amarras sociais que a prendiam a uma rotina ilusória e excruciante.
Ele permaneceu deitado por não mais
que cinco minutos. Então se levantou, balançando, brincalhão, o membro ainda
rígido e observando a reação dela. Seu riso sacana a fazia delirar. Vestiu a
cueca branca, o jeans e a camiseta.
Carmelina se virou na cama, ainda nua
e dando adeus a timidez, para olhá-lo inteiro. Jonas apertou o volume generoso
na calça apertada, antes de dizer:
- Dona, se a senhora parar de reclamar
com o síndico, eu volto na semana que vem! – e piscou para ela. – As tardes de
quinta-feira serão suas, se quiser...
Ele se afastou e deixou Carmelina nua,
descabelada, ofegante, seu corpo inteiro formigando. Ela sentiu vontade de
gritar, mas apenas sorriu consigo mesma.
Agora, Carmelina não ia mais ao grupo
de orações. Agradecia aos céus, sozinha, da capelinha modesta perto de sua casa,
onde também fazia voluntariado. Deixou também de frequentar o restaurante da
Sônia. Não queria saber de fofocas. Mudou de ares. O pão da padaria repentinamente
se tornou crocante, não duro, e fresco. Carmelina agora tinha mais o que fazer:
aeróbica, musculação, dança, pilates. Ela precisava estar pronta... Pronta para
as tardes de quinta-feira.
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